O que deve Gabriela fazer na ausência de Henrique e perante uma situação delicada e premente de processos a exigir a sua atenção?
Gabriela tem duas opções:
a) Entender que não tem condições pessoais e profissionais para continuar nesta situação no COPROJ/RJ, pedindo a sua exoneração (trata-se de cargo comissionado), até para evitar ficar "queimada" profissionalmente;
b) Enfrentar a situação, procurando contato direto com o Subsecretário (Dr. Bernardo) e Chefe do Henrique que inesperadamente (e, acrescento eu, irresponsavelmente) entrou de férias sem avisar e deixar instruções para os procedimentos a ter durante a sua ausência (delegação de competências), não deixando claramente alguém a substituir-lo nas suas funções.
Pessoalmente sou adepto da frontalidade, pelo que penso que apesar do medo compreensível de Gabriela por ser comissionada, esta deveria desde logo não ter deixado que Henrique procedesse da forma como vinha procedendo, colocando o assunto diretamente ao Subsecretário Dr. Bernardo. Mas como até ao presente momento na história ela não o fez, não poderá deixar de agora aproveitar a oportunidade criada pela ausência do Henrique para, com frontalidade e honestidade, levar ao conhecimento do Dr. Bernardo o que se passa, pois só assim o bico de sinuca em que se encontra metida pode ser resolvido. Nada pior do que ser exonerada poderá acontecer. Mas essa já é a solução alternativa ao enfrentamento da questão. Por outro lado, pode ser que agora a sua competência profissional venha a ser finalmente reconhecida, assumindo formalmente funções que até ao momento acabou na prática por desempenhar e que Henrique nunca deixou que chegasse ao conhecimento do Subsecretário. Esta é, pois, uma oportunidade para Gabriela mostrar a excelência do seu trabalho ao Dr. Bernardo, podendo até vir a assumir o lugar hoje ocupado por Henrique.
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Na verdade, no caso em apreço existe uma crítica latente ao sistema da administração pública brasileira, onde existem cargos de confiança de livre nomeação e exoneração, não sendo por isso mesmo de carreira. Este é um sistema idêntico ao encontrado de outros países, como em Portugal, onde tais cargos de comissão são de livre nomeação e exoneração, opondo-se o mesmo a sistemas onde estes cargos de confiança são exercidos por servidores de carreira. Este é o caso britânico, tão sagazmente satirizado numa série britânica da BBC do início da década de 1980 (Yes, Minister), onde o Secretário (Sir Humphrey Appleby) do Ministro Jim Hacker leva sempre este último a fazer o que o referido Secretário quer, mesmo que contra a sua vontade inicial. Apesar de esta ser uma sátira televisiva à realidade da administração publica britânica, a mesma não deixa de ter respaldo na realidade efetivamente vivida neste tipo de sistemas, onde funcionários de carreira em elevadas funções acabam por conseguir manobrar os agentes políticos eleitos, usurpando na verdade as funções que numa Democracia deveriam corresponder a estes últimos. São por isso dois sistemas distintos, ambos com problemas na sua real implementação prática pois, como em tudo, a realidade concreta depende sobretudo das pessoas que estão nos cargos em causa. Por exemplo, no caso aqui referido, o problema de Gabriela não existiria se Henrique fosse um outro cara, mais competente e comprometido com as suas funções, mesmo que nomeado politicamente. Por outro lado, um político eleito com um conjunto de medidas sufragadas junto do respetivo eleitorado tem de ter condições reais para poder implementar o seu projeto pelo qual foi eleito, sem que o mesmo seja bloqueado pelos seus colaboradores mais próximos, situação parodiada com mestria na referida série britânica Yes, Minister. Penso pois que, como em tudo, é preciso equilíbrio e o se ter a consciência de que o mais importante são as características pessoais das pessoas envolvidas do que o tipo de sistema em que nos inserimos, características pessoais estas que são bem mais relevantes do que a forma como se chega ao desempenho dos referidos cargos.